O Controverso Turismo da Vacina leva Brasileiros ao Exterior

Se antes turistas escolhiam seus destinos baseados em atrações como museus e restaurantes, hoje são os postos de vacinação o ponto turístico mais procurado nas agências de viagem.  A recente tendência do setor começou em dezembro de 2020, quando operadores e agências de viagens criaram as chamadas “shot trips”, pacotes para destinos que oferecem a vacina de Covid-19 para não residentes. 

É o caso de Nova York, cidade que antes da pandemia atingiu o recorde de 65 milhões de visitantes por ano. Com 3.7 milhões de cidadãos vacinados, a Big Apple quer retomar seu fluxo turístico, uma indústria que deixou de movimentar cerca $ 147.2 bilhões de dólares em 2020, segundo a agência oficial ESTA. Daí que o prefeito Bill de Blasio anunciou o plano de vacinação que contempla a imunização de visitantes com dose única da vacina Johnson & Johnson.

Baseados em pontos estratégicos da cidade, os postos de vacinação exigem apenas um documento de identificação com foto e que a pessoa seja maior de 16 anos. “Queremos que todos estejam seguros e, claro, meu coração está com os brasileiros. Há tanta dor, tanta dificuldade. O que pudermos fazer para dar boas-vindas a quem nos visita, e mostrar que nos importamos com todos que aqui estão, nós queremos ajudar”, declarou de Blasio em coletiva de imprensa, na terça-feira (11).

O Brasil está entre os primeiros colocados no ranking internacional de turismo em Nova York, com 920 mil visitantes em 2018.  A reabertura completa da cidade acontece no dia 1o de julho. 

Até maio deste ano, os Estados Unidos administraram quase 262 milhões de doses da vacina contra o coronavírus, cerca de 2,3 vezes o número de imunizações administradas em toda a América Latina, que tem quase o dobro da população do país, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.

Com 40% dos americanos vacinados, nas últimas semanas a CDC registrou queda na procura por imunização no país. Isso porque idosos e pessoas mais vulneráveis ao vírus responderam rápido à campanha, enquanto parte da população ainda tem dúvidas sobre os efeitos e a segurança da vacina.

Com doses de sobra, além de Nova York, outros estados americanos estão oferecendo imunização para não residentes, caso do Arizona, Louisiana, Texas, Alabama, Califórnia, Colorado, Indiana, Iowa, Michigan, Nevada, Novo México, Ohio, Carolina do Sul, Tennessee, Virgínia e Flórida.

Destino favorito dos brasileiros, a Flórida declarou que cerca de 40 mil não residentes já foram vacinados no estado. Os visitantes chegam principalmente do Brasil e da Argentina, onde o programa de vacinação local segue lento e caótico. 

Aberto mas com restrições, os Estados Unidos exigem que grande parte dos visitantes sul-americanos façam quarentena de 14 dias em um território sem alto risco de contágio. O destino mais conveniente para os brasileiros é o México, especialmente as ilhas do Caribe, por conta da proximidade com os Estados Unidos. A empreitada requer que o visitante tenha tempo e dinheiro suficientes para se hospedar nos dois países, além de um visto válido para entrar em território norte-americano. 

“É como se, em tempos de barbárie social, fosse aceitável viver o “cada um por si”, o “salve-se quem puder”, escreveu o jornalista Daniel Nunes em sua coluna na Folha. A controvérsia envolvendo celebridades que se imunizaram no exterior, caso de Anitta e Roberto Justus, aponta o privilégio de quem pode viajar não só para se vacinar, mas também para desfrutar de um senso de normalidade ainda não restaurado para todos. “Desesperadas, algumas pessoas mais abastadas decidem viajar para outros países para se imunizar. No meio do caminho, eles postam fotos em praias paradisíacas com bons drinques”, escreveu a jornalista Nina Lemos para o UOL.

Mas o turismo da vacina quer mais do que celebridades e milionários. Com o verão no hemisfério norte se aproximando, agências de viagem se apressam em criar pacotes populares. Em Pernambuco, a Doutor Viagem tem ofertas a partir de R$ 4.990 e inclui passagem do Brasil para o México ou para a República Dominicana, seguindo para os Estados Unidos e com retorno ao Brasil. 

Para competir com a retomada do turismo americano, países como as Ilhas Maldivas estão promovendo a imunização contra o Covid-19 como atração para seus visitantes. O país foi um dos primeiros a reabrir para o turismo e espera receber 1,5 milhão de visitantes esse ano. 

Cuba também espera reacender o turismo na ilha usando seu sistema de vacinação. Após fechar as fronteiras por mais de um ano, o país lançou, no início do ano, a Soberana 02 e espera produzir 100 milhões de doses nos próximos seis meses para vacinar toda a sua população e também turistas que devem chegar na alta temporada, entre julho e agosto.

Dubai lançou recentemente uma campanha convidando nômades digitais, grupo crescente em tempos de trabalho remoto, para passar uma temporada nos Emirados Árabes “para viver e trabalhar perto do mar”, com a vantagem adicional de receber a vacina contra o coronavírus.

Por dar prioridade a idosos, profissionais de saúde e pessoas com comorbidades, mesmo países com programas eficientes de vacinação, como a Inglaterra, ainda estão longe de vacinar sua população de 18 a 35 anos. Não por acaso, essa faixa etária é o principal target do turismo da vacina.

Segundo recente pesquisa da GlobalData, mais dispostos a viajar e menos temerosos ao risco do coronavírus que os membros da Geração X e Boomers, os Millennials podem desempenhar um papel fundamental na restauração da confiança e na contribuição para a recuperação da indústria do turismo em geral. “Grupos de viajantes mais jovens e mais ricos serão os primeiros a retomar o turismo de lazer internacional”, afirma o estudo.

Enquanto alguns países trabalham em estratégias para atrair mais turistas e a população discute se é ou não de “bom tom” viajar em busca de imunização, uma questão importante segue sem resposta: o que países com mais recursos podem fazer para ajudar a conter o coronavírus em países da América Latina?

Em abril, a Casa Branca anunciou que enviará 60 milhões de doses da vacina Oxford-AstraZeneca para países em dificuldade “assim que elas estiverem disponíveis”. O governo ainda não divulgou quais serão os países favorecidos e como se dará a distribuição.